Bruno Guedes
Durante minha infância futebol foi o ar que respirei. Jogar bola, colecionar figurinhas, jogar futebol de botão era o que mais me agradava fazer (perdão, mas quando comecei a descobrir essas coisas, o videogame da moda era o Atari, nada mais tosco que quatro bonequinhos conjugados correndo em busca de uma bola retangular). Entretanto, naquela época eram os times brasileiros os ícones. No final dos anos 80 e princípio da década de 90 a graça na pelada era ser o São Paulo, o Vasco, o Corinthians. Uns encarnavam Raí, outros Júnior, Neto, Bebeto, depois vieram Edmundo, Evair, Marcelinho. Na mesa de botão, as equipes eram, na grande maioria, nacionais, o legal era conquistar os times do Criciúma, Náutico, Paysandu.
Agora a cabeça da molecada mudou. Com a difusão da Internet e TV a cabo, os garotos querem ser Eto´o, Drogba, Cristiano Ronaldo. Todos sabem a escalação do Milan, as contratações do Real Madrid. Até álbum da Liga dos Campeões da Europa se vende por aí. O produto que é vendido aos mais novos não é mais o futebol nacional, os clubes da nossa terra. Mas sim equipes inglesas, espanholas, italianas que acabam tendo muito mais destaque na mídia.
Um exemplo disso ocorreu no dia seguinte à partida entre Milan e Manchester United. Fiquei chocado com uma discussão no Orkut entre dois jovens, com idades entre 15 e 18 anos no máximo. Cada um torcendo para uma das equipes, se ofendiam abertamente em uma das comunidades de discussão do site. Como torcedores de Flamengo e Vasco, ou Cruzeiro e Atlético, exacerbavam suas paixões (a níveis lamentáveis) pelas equipes estrangeiras.
Não posso negar que, como fanático pelo esporte bretão, sempre busquei conhecer e assistir equipes estrangeiras. Lembro-me bem do Milan de Gullit, Rijkaard e Van Basten. Ou do jogaço em 91 entre a Sampdoria de Toninho Cerezo, contra o Barcelona de Koeman, Stoichkov, na decisão da Liga. Mas sempre acompanhando tudo como um fã de futebol, não como um torcedor.
Apesar da maior possibilidade de informação disponível hoje, lamentavelmente, os dirigentes têm muita culpa nesse novo jeito do brasileiro torcer. Hoje é muito comum ver garotos torcendo para o Chelsea, Barcelona, Internazionale. Tudo por culpa dos cartolas que vendem os jovens craques, devido à falta de outras receitas que não a negociação de jogadores. No Brasil, nenhuma agremiação se organiza para ser vencedora, para ser hegemônica. No máximo se intenta vencer uma temporada e disputar a Libertadores do ano seguinte.
Quando todos os clubes tupiniquins mudarem sua estrutura, deixando de gastar como ricos e receber como pobres. Quando perceberem que planejamento se faz para cinco, seis, dez temporadas. Quando virem que o torcedor é o seu maior patrimônio. E, quando descobrirem que eles e não a televisão são os donos da festa, quem sabe poderemos ter um campeonato lucrativo e caríssimo, como na Inglaterra. Aí, talvez, os craques (algo em que somos especialistas) fiquem por aqui.
Certamente após essas mudanças serão os garotos europeus, asiáticos, entre outros que começarão a escolher o Grêmio, Santos, Flamengo no Winning Eleven. E, no Natal, irão pedir ao Papai Noel camisas do Atlético Paranaense, Botafogo, Internacional...
*************
O futebol e os torcedores do Rio de Janeiro não merecem o triste lance que decidiu o seu campeonato estadual no domingo. Bola para Dodô. Hora da consagração. O gol que isolaria o matador na liderança da artilharia. Pela segunda vez seguida maior goleador do Rio. Mas o bandeira levanta o pano. Impedimento. O circo estava armado. O campeonato, marcado por grandes partidas, dois 4 a 4, duas finais fantásticas, estava manchado.
No fim, o Rio não tem o campeão que merece. Ao alvinegro resta erguer a cabeça e continuar o belo trabalho. Ao revoltado Bebeto de Freitas, resta continuar a reconstrução do clube de General Severiano. E ao torcedor flamenguista, que nada tem a ver com isso, resta lotar o Maior do Mundo quarta, contra o Defensor.
E a Federação de Futebol do Rio de Janeiro, um pedido: não deixem a falta de competência de árbitros e cartolas sujarem o mais lindo espetáculo da terra.